Cada vez mais providências cautelares contestam decisões públicas.
Sentença que travou o fecho da MAC abriu polémica: uns juristas criticam
"uso abusivo" e intromissão de poderes, outros dizem que são a última
alternativa.
Uma providência cautelar contra o alargamento do horário
de trabalho na Função Pública, de 35 para 40 horas, deu entrada na
semana passada nos tribunais administrativos. É mais uma reacção contra
uma medida do Governo, depois de um grupo de cidadãos ter conseguido
travar provisoriamente o encerramento da Maternidade Alfredo da Costa
(MAC), graças a uma providência cautelar assinada pelo advogado Ricardo
Sá Fernandes.
Mas a sentença gerou polémica e relançou o debate
sobre até que ponto os tribunais podem interferir em decisões políticas,
na sequência deste tipo de processos – de natureza urgente e que
produzem decisões provisórias, implicando um conhecimento sumário da
situação.
“Tem havido um uso banalizador e, por vezes, abusivo
destes procedimentos para contestar políticas públicas, invocando
valores constitucionais e interesses difusos, sobretudo de saúde
pública, ambiente e ordenamento do território” – considera Vieira de
Andrade, especialista em Direito Administrativo.
“O abuso decorre
de, em alguns casos, se pretender que os tribunais se substituam à
Administração, por vezes levando-os a exceder as suas competências de
fiscalização da legalidade” – defende o professor catedrático,
referindo-se ao caso da MAC como “o exemplo mais acabado de uma má
sentença” por interferir na esfera do poder Executivo: “A juíza
exterioriza um envolvimento excessivo e parcial na avaliação dos factos
e, sobretudo, confunde princípios jurídicos fundamentais com
considerações de mérito que não tem competência para fazer”.
Lembrando
que os tribunais devem controlar o cumprimento de normas jurídicas e
não a oportunidade e conveniência da actuação do Estado, Vieira de
Andrade critica o tom e a falta de distanciamento da magistrada, que na
sentença reprovou o facto de o Governo ter “acenado com a troika (…)
para, sem mais, encerrar a maternidade n.º 1 do país”.
O jurista
João Amaral e Almeida, especialista nesta área, tem a mesma opinião,
sublinhando que o tribunal “optou por fazer uma análise de uma decisão
política”, já que “não estava em causa um verdadeiro acto
administrativo”. A prova disso, diz o advogado, é que a magistrada “não
conseguiu identificar nenhuma regra jurídica que será violada com a
decisão”. E conclui: “Quando, com intenção política, se procura atacar
judicialmente uma decisão que não viola regras jurídicas, é muito cómodo
concluir que essa decisão viola o interesse público, o direito à saúde
dos cidadãos ou que é uma decisão injusta”.
‘Até estamos atrasados’
Refutando
o coro de críticas, o autor da providência cautelar, Ricardo Sá
Fernandes, considera que o tribunal fez um “juízo jurídico bem
fundamentado”: “Foram violadas regras aplicáveis à gestão hospitalar.
Como é que se extingue um serviço como a MAC sem haver um despacho a
explicá-lo? Além disso, quando o Ministério decide transferir a
maternidade para as traseiras da Estefânia e é manifesto que uma coisa
não cabe na outra, o Estado incorre num erro de facto”.
Sá
Fernandes considera, de resto, que os tribunais têm sido “muito
cautelosos” no domínio da saúde e lembra que, em 2006, quase todas as
providências interpostas por cidadãos para travar o fecho de urgências e
maternidades foram recusadas. “Nessa altura, havia despachos [do
ministro Correia de Campos] a explicar a decisão de acabar com blocos de
partos, o que não aconteceu neste caso”.
Para o advogado, que
tem até Outubro para avançar com a acção principal, não há um abuso de
providências, pelo contrário: “Estamos até atrasados nesta matéria.
Todos nos queixamos das misérias da vida pública, mas quando alguém
reage e tem sucesso, ouvem-se logo as vozes dos velhos do Restelo,
alegando intromissão onde não se deve”.
In: SOL
11/09/2013
In: SOL
11/09/2013
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