Joana Marques Vidal pacificou o Ministério Público, mas os magistrados
pedem mais acção e resultados. Rui Cardoso, presidente do sindicato dos
magistrados do MP, diz que “não há razão” para os juízes do TC terem um
regime de reformas exclusivo.
Como avalia este primeiro ano de
funções da procuradora-geral da República (PGR), Joana Marques Vidal?
Não acha que há um excessivo apagamento?
Não. Houve uma
sobriedade que era necessária: era preciso apaziguar o Ministério
Público (MP), tendo em conta que havia um problema interno. Eu avalio
este primeiro ano de forma bastante positiva: pacificou o MP e iniciou
um processo de mudança, que será um trabalho para os seis anos de
mandato. Agora, penso que é tempo de aumentar o ritmo dessa mudança
porque estamos num momento decisivo: é necessário alterar o estatuto do
MP.
O sindicato também tem andado muito apagado, ao
contrário dos tempos em que Pinto Monteiro era PGR e Sócrates
primeiro-ministro. Já não há ameaças à independência do MP?
Há
problemas gravíssimos, que vêm de trás e que muito condicionam o papel
do MP. A questão é que houve um momento em que a actividade do sindicato
se fez de forma mais veemente, designadamente na comunicação social,
por ser muito difícil o diálogo com o PGR e com o Governo. Neste
momento, consegue-se fazer esse diálogo de forma discreta, salutar e
natural, sem deixarmos de dizer publicamente o que temos a dizer.
O que é fundamental mudar no estatuto dos magistrados do MP?
Haverá
sempre a adaptação à nova organização judiciária, com as novas
comarcas. Mas depois é o momento de dar um ‘salto’. Desde logo, tentar
ter uma maior coordenação e eficácia no MP, que tem falhado. É um
problema de lei, mas não só. É o momento ainda de clarificar e até de
aprofundar a hierarquia, sempre com transparência e prestação de contas,
que terão de ficar consagradas, bem como um reforço da autonomia em
relação aos órgãos do poder político. Depois, temos de ter carreiras
assentes no mérito e não na confiança pessoal, um reforço da
especialização e carreiras planas na primeira instância.
Os magistrados são mal pagos?
Objectivamente,
são. Em poucos anos, perdemos 30% do nosso rendimento. Neste momento,
há magistrados com 10 anos de carreira que recebem menos do que quando
entraram no Centro de Estudos Judiciários. Há muita demagogia à volta
desta questão, mas não tenho dúvidas de que os salários são importantes
para a independência da magistratura. O Conselho da Europa e a UE também
não têm e penso que o Governo também não terá.
Quer dizer que os magistrados só são independentes se forem bem pagos?
De
modo algum, não ficarão mais ou menos incorruptíveis por causa disso.
Mas a independência assenta em vários pilares. Se os magistrados puderem
ser deslocados pelos superiores hierárquicos, por exemplo, a sua
autonomia está condicionada. Há países em que os magistrados podem ser
professores universitários, sendo remunerados, e até advogados. Isso não
é desejável para Portugal. À Justiça não basta ser, é preciso parecer.
Não
seria agora uma boa oportunidade para introduzir no estatuto a
obrigação de os magistrados fazerem uma declaração de interesses?
Não
tenho nada contra, mas não podemos confundir transparência com devassa
da vida privada. Há coisas pouco relevantes, como ser-se do clube A ou
B. Diferente é ter-se um papel de relevo nos órgãos de um clube ou
filiação a organizações mais ou menos secretas. Nestes casos, devia ser
obrigatório transmiti-lo ao Conselho Superior do MP.
Concorda que os juízes do Tribunal Constitucional (TC) possam ter a reforma ao fim de dez anos de serviço?
Não vejo nesta altura razões objectivas que justifiquem um regime diferente do que existe para os juízes de Direito.
Um
estudo recente do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra
concluiu que a maioria dos cidadãos tem má imagem da Justiça e acha que
não pune os poderosos. Sente que houve uma degradação da imagem dos
tribunais e da classe?
Sim, e há vários factores para
isso, mas também é verdade que essas percepções não têm fundamento – até
há um estudo que revela que as pessoas que têm contacto com a Justiça
têm uma imagem menos negativa do que aquelas que não o têm, ou seja,
isso advém de ouvir dizer pela comunicação social. E uma grande parte
dos media não transmite uma imagem correcta do que se passa na Justiça.
Há muitos aspectos em Portugal que estão ao nível dos melhores do
Conselho da Europa. Por exemplo, na área criminal, a maior parte dos
inquéritos é feita nos prazos. Há é um conjunto de processos onde há
problemas – é um facto que é mais difícil investigar a criminalidade
económico-financeira. O caminho está na prevenção: acompanhar mais as
actividades onde é maior o risco de corrupção: privatizações, grandes
contratos entre público e privado… Aí, gostaria que o MP tivesse outra
atitude, mais proactiva, que acompanhasse esses negócios desde o
princípio.
A PGR assumiu como um dos seus desígnios
combater a violação do segredo de Justiça e até mandou fazer um
relatório sobre isso. Há défice de cultura de reserva nos magistrados?
Falta
no sistema de Justiça e no MP uma política de comunicação que transmita
com seriedade e objectividade o que se passa. O sistema não dá a
conhecer o que de bom se faz. Depois, há uma dimensão demasiado ampla do
que está em segredo de Justiça – e por isso Portugal tem sido condenado
no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Não podemos, a coberto do
segredo de Justiça, proteger tudo o que se passa nos inquéritos. Não é a
mera divulgação de que uma pessoa foi objecto de uma busca ou
constituída arguida que prejudica o seu bom nome....
In: SOL
10/10/2013
Sem comentários:
Enviar um comentário