Bastonária critica reforma da Justiça

"Não se pode substituir uma investigação por uma confissão", disse Elina Fraga na abertura do ano judicial, comparando a reforma da Justiça com o "pensamento obscuro" da ditadura.

"Não podemos aceitar que, por força da reforma do Código do Processo Penal, se possa substituir uma investigação por uma confissão, se valorize um depoimento prestado perante quem não é uma autoridade judiciária ou se possa condenar um cidadão, privá-lo mesmo da liberdade, sem respeito pelos direitos de defesa, nas suas mais amplas emanações, com restrições de prova ou valorizações de circunstâncias - como é o flagrante delito", disse esta tarde Elina Fraga, perante uma plateia repleta de magistrados e advogados, no salão nobre do Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa.

A bastonária comparou o espírito da atual reforma do Código do Processo Penal com o "pensamento obscuro que assentava em poderes irresponsáveis e sem controlo" do tempo da ditadura vivida em Portugal até 1974, referindo-se à ideia de que se possa consentir "que sejam valorizados depoimentos de testemunhas ou arguidos prestados sem a presença de um advogado, tantas vezes com falta de liberdade ou sob ameaças ainda que subliminares".
Também nos tribunais plenários se liam confissões, arrancadas sob o terror da tortura, que duas testemunhas 'oficiais' certificavam como produzidas com absoluta consciência e em liberdade, que nem os protestos dos advogados conseguiam impedir de ser valorizadas e de fundamentarem condenações produzidas por uma magistratura, vergada ao poder político, que desvalorizava o advogado e se demitiu da sua função soberana de administrar a justiça", continuou a representante máxima da classe dos advogados, na sua estreia numa sessão solene de abertura do ano judicial, depois de substituir no cargo Marinho e Pinto. 

Igualmente criticada por Elina Fraga foi a possibilidade, com a reforma do Código do Processo Civil, dos arguidos e dos seus advogados poderem ser multados por "atos praticados no exercício do patrocínio" e que a ministra da Justiça tem defendido como forma de evitar "práticas dilatórias" que contribuem para atrasar a resolução de processos nos tribunais. 

Houve ainda uma alusão, no discurso da bastonária, ao novo mapa judiciário e à reformulação do sistema de acesso ao direito. "Encerrar tribunais ou desqualificá-los, obrigando populações a deslocar-se às capitais de distrito, que nem sequer gozam tantas vezes de centralidade geográfica, representa a página mais negra escrita pelos nossos deputados e traduz a capitulação do Estado numa das suas principais responsabilidades, que é assegurar a administração da Justiça."

29/01/2014

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